Duas revistas semanais, o Haiti e a mesma foto

Na fila do caixa do supermercado olhei para o lado, me surpreendi e me incomodei.

Na semana passada, o Haiti caiu para dentro de um terremoto absurdo. As imagens, os sons e tudo o mais do país viraram um monte de pó e escombros.

Nesse semana, duas das maiores revistas semanais do Brasil escolheram a mesma foto para suas capas. Uma excelente foto na minha opinião.

Capa_escolhida1 Acho que vi primeiro a da Época. A melhor mesmo dentre todas as opções preparadas. Então percebi aquela tipologia quase egípcia. Sim, eu também acho “egípcia” um nome bisonho.

Voltando ao assunto. Afora considerar o escurecimento em volta da imagem desnecessário, foram aquelas letras o meu maior incômodo. Não deveriam estar lá. Evocavam muitas ideias, mas não morte, solenidade, tristeza, morbidez. A tipologia egípcia apareceu no século XIX para cabeçalhos de anúncios, pôsteres e cartazes, com algumas exceções mais notáveis como corpo de texto de alguma fase do The Guardian e em máquinas de escrever. Eu chamaria de uma escolha infeliz para um assunto já por demais infeliz.

capa380 E da prateleira de baixo a Veja se mostrou com a mesma foto. Dessa vez sem o escurecimento. A briga entre o logotipo e as ferragens e o cimento foi ignorada em prol do impacto cru da foto. Dane-se o prejuízo na leitura do logotipo: a imagem mereceu se estender pela capa inteira.

A tipologia, então… Que maravilha. No primeiro instante reconheci como Baskerville. John Baskerville deixou sua destreza em desenhar fontes comprovada em diversas lápides, dentre centenas de outras coisas, e foi a primeira coisa que me veio à mente: a lápide no túmulo do Haiti. Posso estar errado quanto ao nome da fonte, mas não estou no quão solene ela é. Melhor ainda, está numa disposta numa composição discreta, assimétrica, alinhada com as marcas de pó na mão morta. Num corpo apenas grande para ser lido à certa distância. Perfeita escolha!

Puxei a revista e… O que aquela simpática senhora faz acenando ali embaixo? Sim, claro que a morte de Zilda Arns é importante. Mas enquanto a Época deu-lhe um lugar de destaque e em casamento adequado com a capa, apesar das críticas que já fiz, a Veja não só interrompe a foto que ‘sangrava’ por todas as margens, como também estraga completamente a sensação promovida nos primeiros momentos. Não sei se por motivos de marketing, que, sim, importa até nesses momentos; ou por… Não sei! Sei apenas que essa concessão criou uma ironia bizarra.

Desconheço a rotina de trabalho das duas revistas. No máximo já cumprimentei o Marcos Marques, cujo sobrinho é meu amigo. Tampouco conheço bem suas identidades já que há séculos não as leio. Olhei apenas para os resultados obtidos por cada uma. E… Por mim, a Veja cedeu o empate nos quarenta e três do segundo tempo.

sobral

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